Ah! Quem me dera a mim volver atrás,
Sadio como o peito de um rochedo
E alegre como o sol e a Deus apraz.
Ter à mesa só bençãos do arvoredo,
Ter por piscina os veios da montanha
E abrir-me em carmes espontâneo e ledo.
Dar aos nervos selvátiva tensão
E todo eu ser feroz musculatura,
Mas por dentro macio de algodão.
Os ventos arrostar por noite escura
Entrando bem a fundo no universo,
Qual chuva apetecida em terra dura.
Esculpir pelas rochas o meu verso,
Sublime como as Tábuas do Sinai
E tal como elas noutra vida imerso.
Rezar às grutas donde a água cai,
Ao tojo bravo, que me desse a cama,
e à santa graça que nas águas vai.
Subir escarpas, leve como a Fama,
E, criancinha nua de pecados,
Ser no mar dos baixios novo Gama.
Pedir aos ventos fossem compassados,
Não estalassem ramos de fruteiras,
Nem vestissem o povo de cuidados.
Ter moinhos sem mós pelas ribeiras
E outros sem velas pelos montes claros
Para moer trigo, não, mas canseiras.
Beijar os frutos como amigos caros,
E olhos lá cima na visão de Deus,
Por Deus viver a vida sem reparos
Pobre de mim! Ah! tristes olhos meus,
Chorai! Ungi-me a face e o coração...
Lágrimas sejam minha Estrema-Unção!
Joaquim de Almeara - in: "Novas Índias"